segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ESPECIALISTAS ANALISAM REDAÇÕES QUE TIVERAM NOTAS DISCREPANTES NO ENEM

Diferença muito grande entre notas dos avaliadores é uma das principais queixas dos alunos. Exame tem histórico de problemas desde 2009
Muitas notas de redação do Enem estão sendo contestadas até na Justiça. O Fantástico reuniu um grupo de especialistas em língua portuguesa pra analisar algumas dessas redações. Será que a opinião deles bate com a dos corretores do Enem?
Uma hora para escrever uma redação, que acaba corrigida em poucos minutos. Três mil avaliadores corrigiram quatro milhões de redações do Enem. Uma delas era a de Caio Barbosa Vieira da Silva, de 18 anos, que mora em Maceió. Ele tirou uma nota baixa na redação. Não conseguiu vaga em nenhuma faculdade, e põe a culpa nos avaliadores. 
“Vou estudar, me matar em uma redação, para o corretor olhar rapidamente e me dar uma nota muito baixa?”, questiona o aluno.
Caio foi um dos 79 candidatos que entraram na Justiça contestando a avaliação das redações do Enem 2011. Três já conseguiram aumentar suas notas. Entre eles, Michael Cerqueria de Oliveira, aluno de uma escola de São Paulo.
“Ele estranhou porque a redação veio com zero com a justificativa de anulada”, conta, Alexandre Abbatepaulo, o diretor da escola de Michael.
Michael, que preferiu não gravar entrevista, mora em um bairro da periferia de São Paulo. E estudava, com bolsa, em um colégio particular. “Excelente aluno. Sempre se destacou na escola”, destaca o diretor.
Os advogados da escola entraram na Justiça. E descobriram uma falha tecnológica na correção. Cada redação do Enem é copiada para o computador e enviada, pela internet, para dois avaliadores. No caso de Michael, houve uma falha nesse processo. E a prova foi em branco para um dos avaliadores, que deu zero.
Nesse caso, a culpa foi da tecnologia. Mas também existem outros problemas. O principal: notas muitos discrepantes, dadas por avaliadores diferentes, para uma mesma redação. 
O estudante Caio recebeu 920 pontos do primeiro corretor,o equivalente a nota nove. Do segundo, 600 pontos. O Enem, uma diferença grande como essa é resolvida por um terceiro avaliador, mais experiente. É esse avaliador que determina a nota: no caso de Caio, 280 pontos.
A nosso pedido, três alunos que estão recorrendo da nota nos enviaram suas redações. 
O Fantástico reuniu um grupo de especialistas para analisar as redações polêmicas do Enem e as notas que elas tiveram.
“Eu li as três redações sem saber dos pontos recebidos. E a maior surpresa que eu tive foi saber que era algo muito discrepante. Inclusive, para uma mesma redação, alguns dando 1000 pontos, que é a nota máxima, e alguns menos de 500” comenta o professor Sérgio Nogueira.
O tema: os limites entre o público e o privado na internet. A banca reunida pelo Fantástico deu nota cinco para todas as redações. “As três redações são absolutamente iguais, parecidas no que têm de bom e no que têm de ruim, são muito padronizadas”, destaca o escritor Mario Prata.
“Eles tinham que trazer uma proposta de conscientização da população em relação a isso, apenas um deles traz, que é a terceira redação”, ressalta a professora de português Susana Vaz Húngaro.
É a redação de Caio. Será que ele merecia uma nota baixa? No Enem, ele tirou 280. 
“Não, 280 não! Eu imagino que a pessoa que esteja atrasada possa corrigir muito rápido sem muita atenção para cumprir a cota”, afirma Susana.
Mas o responsável pela aplicação do Enem explica que os corretores também são avaliados. “Se o corretor começa a não usar os critérios de correção que foram combinados, se ele demora ou corrige muito rápido, ele tem uma nota baixa, e se essa nota baixa for abaixo de cinco, ele é eliminado do processo” aponta Luiz Mário Marques Couto, coordenador de provas do Cespe.
No Enem, os corretores ganham por prova corrigida: R$ 1,66 por redação. Como cada um corrige, em média, três mil redações, ganha R$ 5 mil no total.
A Fuvest, que faz o vestibular da Universidade de São Paulo, tem um método diferente. Os corretores são pagos pelo dia trabalhado, e não pela quantidade de provas. 
“A gente pensa em cem redações por dia, mas não precisa ser cem. Pode ser bem menos. Dependendo do dia e da dificuldade da redação, afirma a diretora-executiva da Fuvest Maria Thereza Fraga Rocco.
A Fuvest faz até cinco correções da mesma redação, e diz que nunca teve uma nota contestada na Justiça. O ministro da Educação, Fernando Haddad, já admitiu a assessores que o processo de correção das redações tem que mudar. Para ele, divergências muito grandes nas notas deveriam ser resolvidas por uma banca. Mas Haddad está de saída. Na terça-feira (24), ele entrega o cargo, e repassa o problema ao novo ministro, Aloizio Mercadante.
Em 2009, o Enem se tornou o processo seletivo mais importante do país, hoje usado por 95 instituições de ensino superior públicas, mas tem um histórico de controvérsias. Já passou por problemas como vazamento de provas e falhas na impressão.
Em 2011, outra polêmica, desta vez, envolvendo um colégio de Fortaleza, que teria distribuído antecipadamente questões que caíram na prova.
O Fantástico teve acesso ao relatório do inquérito policial, encaminhado esta semana ao Ministério Público.
A polícia responsabiliza dois funcionários da escola por vazar aos alunos questões do chamado pré-teste do Enem, uma espécie de simulado, aplicado em todo o país. 
Com o pré-teste, que deve ser sigiloso, o MEC avalia a dificuldade de questões que podem cair no Enem. As questões teriam sido distribuídas, junto com o gabarito, pelo professor Jahilton Mota a um grupo de alunos que faria o Enem.
Em depoimento, Mota disse ter encontrado os cadernos de prova em sua mesa de trabalho. A outra indiciada é uma coordenadora da escola, Maria das Dores Rabelo, acusada de reproduzir o material. Ela era responsável por guardar o pré-teste e impedir a divulgação das questões. Os dois foram indiciados por estelionato.
O procurador que recebeu o inquérito, no entanto, não ficou satisfeito. 
“O relatório apresentado pela Polícia Federal é superficial, inconcluso e pautado em possibilidades. Esse inquérito vai retornar a Polícia Federal para um aprofundamento das investigações”, afirma Oscar Costa Filho, procurador da Justiça.
O Fantástico procurou o advogado do colégio e o professor Mota, mas eles não retornaram as ligações. A coordenadora Maria das Dores não foi encontrada. 
Para os alunos que se consideram prejudicados pelo Enem, é hora de voltar a estudar. O carioca Mateus Carvalho da Costa, que queria cursar engenharia, também ficou insatisfeito com a nota da redação. Ele vai tentar de novo uma vaga pelo Enem só em novembro. A edição de abril do exame foi cancelada pelo governo nesta semana. 
“Agora eu fico confuso porque eu não sei como tem que fazer a redação”, diz Mateus. 
Caio ainda acredita na revisão da nota. “Espero apenas que a Justiça aceite o pedido de recurso, faça uma recorrerão na minha redação, e me de uma nota justa”, torce Caio.

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