sábado, 22 de setembro de 2012

ENSINO MÉDIO REPROVADO

Taxa de retenção no ensino médio é a maior desde 1999 e revela desafios da etapa que sofre com definição de currículo, problemas de infraestrutura e acúmulo de defasagens anteriores
Queda na evasão é um dos fatores para a maior taxa de retenção
no ensino médio, além de refletir o acúmulo de defasagens
anteriores na aprendizagem
O Censo Escolar de 2011 revelou um dado preocupante. A taxa de reprovação no ensino médio brasileiro atingiu 13,1%, maior número desde 1999. A constatação levanta uma importante questão: o país está regredindo na educação dos jovens? Os alunos do ensino médio aprendem menos hoje e, por isso, são mais retidos? Segundo diversos especialistas, não é esse o caso. A reprovação é resultado de uma conjunção de fatores nem sempre negativa - embora longe de ser positiva.
Tais Tavares, professora do Núcleo de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ressalta que, se compararmos os índices da década de 1980 aos atuais, os anteriores são bem menores, mas isso não reflete uma melhor qualidade de ensino: a evasão era bem maior do que a repetência, relação que se inverteu hoje. "A evasão vai caindo, mas a reprovação está aumentando, o que significa que o sistema está retendo as pessoas por mais tempo", afirma. Ou seja, o país tem avançado em sua meta de universalizar o ensino e manter os jovens por mais tempo na escola. O problema é que, ainda que permaneçam mais anos na escola, nem sempre conseguem progredir nos estudos.
Outra questão a ser considerada é que as estatísticas brasileiras ficaram mais confiáveis nos últimos anos. Os números atuais são mais precisos, o que dificulta comparações. É o que defende Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. "Acredito que o índice de reprovação mais alto é fruto de uma maior precisão estatística. Os instrumentos estão melhorando e geram resultados mais confiáveis", diz. Ele aponta, ainda, que esses índices devem piorar nos próximos anos, até que a precisão das pesquisas aumente e que os cadastros com informações e dados sejam preenchidos corretamente pelas redes, o que ainda não acontece hoje. Não significa que a qualidade da educação esteja boa, apenas que não está piorando.
Outro fator importante é que as políticas voltadas para o ensino médio são recentes no Brasil, já que essa etapa só entrou na agenda pública federal na segunda metade da década de 1990 com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), além da Emenda Constitucional 59, que torna obrigatória a educação dos 4 aos 17 anos a partir de 2016. Quem defende isso é Jaqueline Moll, diretora de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação (MEC). "Os dados demonstram esses processos. Ao observar a taxa de rendimento escolar nos últimos dez anos, vemos que, na medida em que o ensino fundamental se tornou prioridade, as taxas de evasão e reprovação foram declinando. Acredito que acontecerá o mesmo com o ensino médio."
Diferenças regionais
Há disparidades entre os estados. O menor índice de reprovação, registrado no Amazonas, foi de apenas 6% (sendo a rede particular mais retentora do que a pública, fato que acontece apenas nessa rede), já o Rio Grande do Sul, obteve a maior média: 20,7% (veja no gráfico). Os dados causam estranheza, já que a região Sul, mais desenvolvida economicamente, costuma apresentar melhores índices socioeconômicos em relação ao Norte e Nordeste.
Para Tais, isso se deve em parte ao fato de que as políticas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) têm sido focadas justamente nas regiões mais carentes. Além disso, a rede estadual do Amazonas possui menos alunos do que a do Rio Grande do Sul, não só por uma questão geográfica, mas porque menos jovens passam do ensino fundamental para o ensino médio; muitos desistem dos estudos antes de chegar a essa etapa. "Na região Sul o fluxo é mais constante, então são 'de­saguados' no ensino médio mais alunos com um perfil de maior dificuldade, porque não foram excluídos antes", afirma.
Daniel Cara volta a apontar para a melhoria das estatísticas, ao afirmar que a rede gaúcha tem bons instrumentos estatísticos de controle, por isso mostram uma realidade mais exata do que a amazonense. Mas acrescenta que existem decisões de gestão estadual que também afetam os números. "Os índices estão mais relacionados à rede do que à escola. O mesmo fenômeno não se repetiria em todas as escolas. Em média elas têm o mesmo comportamento, que é regulado pela Secretaria. O Rio Grande do Sul, por exemplo, tinha um governo muito pautado por alguns modismos na educação, pela ideia de ter controle e mimetizar o trabalho do professor, tirar sua autonomia sobre como construir o conhecimento."
Diversos fatores
Em suas pesquisas, Tais encontrou outras causas importantes para a retenção. Com base nos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2008, ela afirma com segurança que a maior parte dos concluintes do ensino médio daquele ano eram os primeiros na família a chegar e a se graduar nessa etapa. "Esse ambiente cultural de antecedentes de fracasso pesa sobre o aluno, tanto na expectativa da família sobre ele quanto na que ele tem de si próprio", analisa Tais. Por isso, quanto mais esse jovem está segregado em um bairro em que a maioria não cursou ou não conseguiu concluir a Educação Básica, menos expectativa existe de que ele conclua seus estudos com sucesso, o que se reflete em reprovação e em evasão.
Segundo Tais, há ainda uma mudança na imagem da escola e da educação. Antes, havia um consenso de que o diploma dessa etapa era sinônimo de melhores oportunidades de trabalho e de alguma ascensão social. Hoje o certificado é condição necessária para qualquer emprego, mas não representa mais uma garantia sequer de trabalho. Assim, o conteúdo visto em sala de aula é muitas vezes questionado pelos estudantes, que não entendem como aquilo será útil para a vida profissional.
A conexão entre o conteúdo escolar e a vida dos jovens é uma questão debatida pela rede do Rio Grande do Sul, que a considera um desafio fundamental para a melhoria dos índices do ensino médio. Maria Eulália Nascimento, secretária adjunta da Educação do estado, acredita que a educação precisa acompanhar as mudanças da sociedade para não afastar os alunos. "O ensino médio tem de estar articulado aos projetos de vida dos estudantes. Não pode ser algo abstrato que nós justifiquemos dizendo que um dia ele vai precisar daquilo."
Esse movimento de tornar a escola mais interessante para o jovem, relacionando seus conteúdos à realidade dos alunos, já pode ser observado em diversas iniciativas pelo Brasil. Além de experiências regionais, o governo federal criou o Programa Ensino Médio Inovador, que estimula mudanças no currículo escolar e atividades diferenciadas, que atraiam os alunos.
Outra causa, interna à escola, é o aumento no número de vagas por turma. "É um equívoco pensar que, por serem alunos mais velhos, podemos lotar as salas de aula", critica Tais. Logo, as condições para trabalhar com esses alunos se tornam precárias, já que é difícil atender com qualidade mais de 40 pessoas simultaneamente. A cultura de reprovação que ainda persiste no país também pesa nesse quadro.
Evasão 
A reprovação está intimamente ligada à evasão e à distorção idade-série. Diversas pesquisas mostram que a evasão no ensino médio acontece, em geral, quando o aluno recebe seus resultados, mesmo que parciais, e eles apontam para uma iminente reprovação. "Aí ele abandona. Uma das principais causas da evasão é a falta de motivação para ficar na escola e, por outro lado, o interesse em trabalhar e ter o próprio dinheiro", afirma Nora Krawczyk, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"O repetente em geral é multirrepetente. E por mais que depois de evadir volte para o sistema, isso não significa que o sucesso foi ampliado, porque a repetência não tem gerado bons resultados posteriores", observa Tais.
O aluno que se evade em geral já não está na série compatível a sua idade. Desestimulados por ver seus colegas progredirem, por rever conteúdos e ter sua saída da escola adiada, muitos param de ir à aula. Outros persistem e fazem parte do fenômeno "distorção idade-série", que é, geralmente, o resultado de múltiplas repetências. Segundo Tais, cerca de 10% da população entre 15 e 17 anos que está na escola ainda cursa o ensino fundamental, e por isso já ingressam no ensino médio com a idade distorcida em relação à série. "Isso cria uma disposição dentro do aluno de que ele não é capaz. E cria no próprio professor uma expectativa de que aquele jovem é alguém que não aprende", explica. Do ponto de vista pedagógico é importante que o modo como o professor atende esse aluno multirrepetente não faça com que ele se sinta ainda mais discriminado, o que pode levar a um maior desinteresse e a mais repetências ou à evasão.
Distorção idade-série
Segundo Márcia Jacomini, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 revela que 90,6% dos jovens de 15 a 17 anos frequentavam a escola, mas a taxa líquida de escolarização nessa faixa etária era de 50,9%. "Ou seja, desses 90,6%, pouco mais da metade frequentava o ensino médio. Isso mostra como há um atraso em relação à idade-série", conclui.
Os dados mostram que a reprovação no ensino médio depende também do aprendizado e da retenção no ensino fundamental. É necessário pensar pedagogicamente em como atender esse aluno com mais dificuldade, e não dizer que o jovem é "desse jeito mesmo" e que não há nada mais a fazer. "Isso significa pensar em como tratar esse aluno, como fazer a ponte entre o que sabe, o que não sabe e o que precisa saber", explica Tais. Para ela, é um desafio que depende da formação dos professores e de suas condições de trabalho, o que engloba questões como a infraestrutura escolar e a atratividade da carreira docente.
Também é importante não tratar os alunos com dificuldades como incapazes. Segundo ela, um mau desempenho pode estar ligado a uma série de motivos, que vão da defasagem idade-série até problemas pessoais, mas todos podem aprender. Ela acredita que a solução não é o trabalho individual dos professores, mas sim repensar o sistema educacional brasileiro e a escola com um conjunto de medidas que faça os alunos se envolverem com o ensino.
Esses problemas não nascem no ensino médio. A taxa de reprovação é alta em grande parte porque os alunos vêm do ensino fundamental com deficiências de aprendizagem, ou seja, não sabem os conteúdos e não desenvolveram as habilidades desejadas ao final dessa etapa. Ao entrar no ensino médio têm dificuldades para avançar para um grau maior de complexidade. Os jovens chegam a essa etapa já em uma situação de defasagem de aprendizado, mesmo estando na série adequada à sua idade.
Soluções regionais
Ainda que existam caminhos comuns para muitos desafios dessa etapa, as respostas para diversos problemas nem sempre são universais e devem ser buscadas pelas redes com base em seu contexto político, econômico e social. Alice Casimiro Lopes, professora de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), defende que é necessário que as redes pesquisem as causas da reprovação e façam um diagnóstico dos problemas locais para criar políticas públicas adequadas - que podem não ser tão eficientes em outro município ou estado. Em outras palavras, não existem receitas prontas que sirvam a todos. "Por exemplo, pode ser que, em uma dada região, o problema seja resolvido com a melhoria do sistema de transporte público próximo à escola. Em outro local, talvez seja necessário pensar na ampliação das bibliotecas escolares, para que o aluno tenha um espaço para estudar, ou oferecer apoio às alunas adolescentes que não têm com quem deixar seus filhos", conta.
Daniel Cara ressalta que soluções individuais terão pouco efeito enquanto não houver um projeto consistente das redes para o ensino médio que possa reverberar no projeto político-pedagógico das escolas e ofereça condições para ser colocado em prática. Para ele, o ensino médio deveria ser pensado como algo próprio para os adolescentes assim como a educação infantil é pensada para as crianças, com infraestrutura adaptada e organização do espaço e das atividades de acordo com a idade dos alunos. "Não faz sentido para os jovens, mas também não consegue ser boa o suficiente para, mesmo não fazendo sentido, ser útil para a progressão escolar e aprovação no vestibular." Esse seria talvez o maior desafio do ensino médio: ser reestruturado. Segundo Cara, é possível diminuir a reprovação com medidas pragmáticas, mas sem mudanças mais profundas, o problema da deficiência de aprendizado continuará.
Desafio noturno
Com alunos muitas vezes cansados depois de uma jornada de trabalho, as taxas de evasão, distorção idade-série e reprovação são quase sempre maiores no noturno. "Com pouco tempo para se dedicar ao estudo, esse estudante apresenta, em geral, um desempenho ruim, que pode desestimulá-lo", analisa Márcia Jacomini, professora da Unifesp. Ela afirma que não é possível, no entanto, acabar com o ensino noturno para solucionar o problema, já que não há escolas suficientes para atender toda a demanda de matrículas no período diurno e, por outro lado, sempre existirá a necessidade de alguns estudantes de trabalhar durante o dia. Algumas soluções têm sido discutidas nacionalmente, como a matrícula por disciplina, um currículo mais envolvente e atividades adaptadas para essas turmas. Mas não há ainda uma conclusão sobre como resolver esse problema. Diminuir a distorção idade-série seria um atenuante para o problema, já que quanto mais velhos os alunos, maior a chance de precisarem trabalhar. "É necessário buscar alternativas para ampliar o tempo desses jovens na escola e trazê-los para o diurno quando possível, mas o ensino noturno sempre vai ser necessário", diz Jaqueline. 
Cultura de reprovação
Tais Tavares, da UFPR, aponta a cultura da reprovação como outra causa para os dados. "Não adianta aprovar ou reprovar se não se garantiu o que o aluno precisa aprender." Essa questão desencadeou diversos movimentos pelo país contra a reprovação, como no Rio Grande do Sul, que registrou a maior taxa de retenção. "A reprovação é boa no filho dos outros. Quando chega à nossa casa, achamos injusto, que foi a escola que não avaliou direito", afirma a secretária adjunta da Educação do estado Maria Eulália Nascimento. "Temos a convicção de que a reprovação não ajuda a aprender. Os adolescentes não aceitam ser humilhados. Se eles sentem que vão reprovar de novo, acabam abandonando."
É o que defende também Jaqueline Moll, do MEC. Ela diz que a reprovação como método de ensino é ruim, e cabe às escolas e às redes criar critérios, estratégias e metodologias para que as crianças avancem, sem gerar a aprovação automática. "É preciso que eles tenham um acompanhamento diferenciado e possam seguir com o seu grupo, senão acaba sendo um castigo", aponta. Para Márcia Jacomini, da Unifesp, as pesquisas mostram que o desempenho dos alunos repetentes não melhora com a reprovação, já que não há, em geral, mudanças nas práticas pedagógicas, na forma de ensinar ou nas condições de estudo. 

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